RASTROS DE PÃO
Pão é alimento, poesia e um manancial de narrativas reais e ficcionais até quando ele não está – e faz enorme falta. O pão mata a fome, serena a alma, desperta a vida e desejos de manteiga e geleias. O alimento ancestral percorre a história da humanidade com diferentes formas de ser consumido, mas sua preparação, ainda que varie, tem na receita original o melhor do sabor e qualidades: a fermentação natural, com farinha e água, continua sendo a protagonista.
Fiz uma rota com padeiros, padeiras e padarias que fermentam pães e estórias saborosas para a gente seguir e viajar. Nesse rastro com bolinhas de miolo, é comer e se divertir.
Pão ao Sul
Ana Zita Klein fez bem em nomear Barbarella o seu negócio de pães. Essa guria empreendedora, linda e determinada inaugurou a segunda loja em Curitiba (PR) em 2021, depois de estrear há 20 anos o seu empreendimento em Porto Alegre (RS). A Barbarella futurista dos anos 60, interpretada por Jane Fonda no cinema, é um ícone feminino, uma personagem heroica, com as mesmas coragem e energia que inspiraram Ana Zita no século XXI.
O levain que essa brava padeira faz trouxe de volta o prazer dos pães artesanais.
Ana é engenheira de alimentos e seu estudo sobre as técnicas de fermentação natural lhe renderam o Prêmio Engenheira do Ano em 2002 – o primeiro concedido a uma mulher!
Artista rigorosa, ela alia o conhecimento científico à manufatura artesanal e mantém padrão e qualidade em seus negócios. As bakerys da Ana fazem uma composição tão harmônica quanto original de padaria francesa com lanchonete americana. Pode-se sair com um paozão cheiroso e crocante para levar para casa, pedir uma sopa acompanhada de um francês perfeito ou sentar e saborear cafés de grãos especiais com os sanduíches de baguette tradicional, como o Brigitte, ou o Bardot, no croissant com queijos, ou ainda um Barbie Burguer, com pão de aipim, hambúrguer de frango, brie marinado e um molho honey mustard – uma loucura!
Em Porto Alegre, a Barbarella Bakery é meu ponto de aterrissagem; em Curitiba, ainda preciso chegar até lá, correndo atrás da garota jetsons com asinhas nos pés e baguettes debaixo do braço.
Pão na praia
O pão que o Eudes faz em seu restaurante Taioba no sertão de Cambury (SP) é uma amostra do espírito de abundância que ele compartilha com todos ao seu redor – e mais ainda com quem precisa. Foi Eudes quem capitaneou o movimento de ajuda ao Litoral Norte nesse início de ano, quando as chuvas arrastaram vidas e pertences dos moradores locais. Ele não virou uma estrela por isso, já era faz tempo. Principal colaborador do projeto social local, Eudes é também responsável por elevar a culinária caiçara ao patamar da alta gastronomia – seu nome está entre os grandes da cozinha brasileira. O glamour de chef festejado, no entanto, não o seduz: vivendo no litoral onde nasceu e cresceu vendendo bolos na praia, onde aprendeu técnicas de conservação de alimentos e pescados com a mãe, para onde voltou depois de quatro anos cozinhando e estudando na Europa, embarcado em iates de luxo, Eudes está ao lado dos pais, cria os filhos e um neto junto à Wal, esposa e braço direito nos negócios, sempre com o pé na areia, coração e mente no mar do mundo – esse é seu habitat.
O Taioba é um restaurante de cozinha caiçara que serve pfs e pratos típicos, alguns tão complexos quanto o azul marinho, que ganha esse nome por causa da inusitada cor da comida, resultado dos componentes da banana verde em contato com a panela de ferro. Chegar lá e pedir os bolinhos de taioba com caipirinha ou quaisquer das cervejas bem geladas é tão incrível quanto ver a figura do Eudes aparecer com as boas-vindas calorosa que é seu jeito.
E o pão? Ele faz lá mesmo, na cozinha do restaurante, conforme a vontade e a necessidade. Eudes chama de padoca caiçara porque faz pão para misto-quente, bauru e lanches próprios de padaria naquelas brechas em que o restaurante está em transição – do almoço para o jantar. Faz também os de fermentação, casca grossa e dura, doces, tortas, sonhos e aquelas coisas de padaria. Ele gosta de falar do frango assado, clássico, que está no topo da lista da Padoca do Chef. Vem com farofa de cenoura e batatas bolinha.
Pão carioca
O pão slow do Rafa Brito Pereira expande rápido os seus negócios e sua presença no território érrejota: The Slow Bakery tem quatro unidades desde que inaugurou o ateliê de pães no Joá, em 2015. Rafa queria fazer pão, experimentar conceitos próprios para a gestão do empreendimento e plantar a filosofia budista, que o guia, na produção do alimento. Como todo sonhador que arregaça as mangas para materializar seus desejos, teve tropeços e sobressaltos, mas o pão nunca deixou de chegar para quem o esperava, com fome ou com manteiga. A Slow Bakery produz mais de 15 tipos de pães por dia e umas 12 toneladas de pães por mês.
Na filosofia da qualidade do produto, TSB oferece também itens de mercearia: manteiga, granola, iogurtes. Dá para encomendar, passar lá e levar o que tiver e, o melhor, ficar por ali provando um pouco de cada coisa, seja no Leblon, Botafogo ou no Jardim Botânico. O cardápio tem sanduíches tão originais como os nomes que carregam: galinhagem, kimcheese, porcaria... e uma vasta variedade de delícias salgadas e doces.
Os cariocas podem comemorar esse pão para chamar de seu e o personagem cativante que é o Rafa para falar de fermentação e as coisas boas da vida – ou vice-versa. É pão pra todo lado!
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Pão nosso
Foi em São Paulo que Tiago e Lucas empreenderam esforço, conhecimento e coragem para dar forma a seu projeto de comercializar pães que produziam artesanalmente. Em 2017, eles inauguraram no bairro Pompeia a primeira Santiago Padaria Artesanal. Seus pães de longa fermentação, no entanto, já eram requisitados pelos clientes-amigos, empresas e restaurantes. A charmosa casa verde de esquina atraiu as redondezas não só pela decoração, mas, lógico, com o perfume azedo e tentador do pão fresco, dos cafés especiais, dos toasts e sanduíches amparados nesses pães. Ao pão de alecrim e sal grosso, carro-chefe do negócio, juntaram-se os de abóbora, batata doce, azeite, nozes, o de cacau com chocolate. Aí vieram as delícias de uma confeitaria criativa e bem-sucedida – pense em um bolo de pera e mel, de fubá com goiabada.
Os cafés especiais fazem companhia a tantas atrações – pão na chapa com ovo, um misto quente, rico em presunto e queijo, no pão artesanal, tudo pode mudar a vida!
E não precisa mudar de bairro: a Santiago chegou a Higienópolis este ano, na Maria Antônia, naquele verde piscina que a identifica tanto quanto o perfume de seus pães.
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Pão e jazz
Os meninos do Le Jazz fundaram sua boulangerie com a mesma autenticidade com que criaram e espalharam bistrôs da marca na cidade. A padaria é francesa, com o levain como astro do lugar, mas ganha sotaque paulistano. Sim, padaria paulistana é praticamente uma categoria, um gênero encontrado apenas em São Paulo. Pão na chapa? Temos! Artesanal e de longa fermentação, é lógico. Pão de queijo? Claro! E aí desfilam misto quente, minas na chapa, bauru, tortas, granola, salada de frutas. De seu dna francês, os ovos beneditinos são minha pedida. A pâtisserie é bem completa: tem folhados, éclairs e ícones como a tarte aux pommes.
Inaugurada em março, Le Jazz Boulangerie está completa e linda. O ambiente amplo e iluminado é cheio de suingue, com balcão e uma área onde se pode ver o time em ação, e onde tudo cabe, inclusive buffet de almoço, na semana, e brunch domingueiro. Let´s jazz!
Aí vai uma receita para quem ficou animado com tanto pão bacana e quer fazer em casa.
PÃO MULTIGRÃOS (Tartine Bakery)
Rendimento: 2 pães médios
Ingredientes:
520g de farinha de trigo branca
280g de farinha integral
20g de farinha de centeio (caso não tenha, aumente a farinha integral)
580ml de água (2 e ½ xícaras)
½ colher (chá) de fermento biológico em pó
300g de fermento natural REFRESCADO NO DIA ANTERIOR*
1 colher (sopa) cheia de sal
1 colher (sopa) de melado, mel ou maple syrup
mix de grãos (1/3 xícara de cada): gergelim branco tostado |aveia em flocos | linhaça |
semente de girassol ou abóbora | 240ml de água (1 xícara)
Preparo:
Na noite anterior ao preparo do pão, refresque o fermento com 160g de farinha e 150ml de água – leve em conta que vai precisar de 300g para o preparo do pão. Deixe começar a crescer e guarde na geladeira. Coloque os grãos de molho na água e reserve.
Para o preparo do pão, coloque todos os ingredientes – menos o sal e os grãos - na vasilha da batedeira (com gancho) e bata até misturar. Deixe descansar dentro da vasilha mesmo por ½ hora.
Volte a bater e junte os grãos e o sal. Bata por 5 minutos, ou até ficar uma massa elástica e homogênea.
Coloque a massa em uma vasilha polvilhada com farinha e cubra com plástico ou pano úmido.
Depois de 1 hora faça a primeira dobra. Cubra novamente. Faça mais 2 dobras e então deixe crescer até quase dobrar de volume. Divida a massa em 2 e dê o formato de bola, colocando-a sobre superfície enfarinhada. Deixe crescer bem novamente.
Aqueça o forno em temperatura alta, já com as panelas dentro.
Quando a massa estiver bem crescida, transfira com cuidado para a panela e asse por 45 minutos, ou até dourar bem. Retire e deixe esfriar dentro do forno já desligado, com a porta entreaberta.